Fanfic: Amiga Linda por Roberta F. Capítulo Sete

Como não queria conversar passei direito pela cozinha. Gritei um “oi” para a minha avó, mas não parei. Ela é o tipo de pessoa que sabe quando algo não vai bem apenas de te olhar. Não sei se eu era muito fácil de ser lido ou se era um dom dela. Odiava me trancar no quarto, mas não tinha escolha nesse momento. Eu estava tão inquieto que não conseguia me concentrar em nada por mais de cinco minutos.

! – ouvi batendo na porta. — Eu sei que você está acordado mané, estou vendo a sua sombra por baixo da porta.
— O que você quer? – perguntei.
— Abra a porta e eu te conto ué!

Destranquei a porta e abri uma fresta. Ela estava com o uniforme da escola ainda, agora um pouco amarrotado porque estivera dormindo no sofá quando eu chegara.

— O que você quer?
— Tem uma menina te procurando ai na frente. A vovó a convidou para entrar, estão conversando na cozinha. Melhor não demorar muito.

Congelei no lugar. Uma menina tinha vindo me procurar? Em casa? Isso era um tanto inusitado, inesperado e inapropriado. Senti meu coração acelerando, lá estava eu criando expectativas e nem sabia quem era.

— Quem é? – perguntei.
— Não sei o nome dela. Mas me pareceu bem bonita. – falou sentando-se na cama.
— Não sabe o nome?
— Não, eu estava dormindo e a vó me acordou bruscamente me mandando te chamar que tinha uma garota na porta de casa te procurando. – disse indiferente.
— Vai lá descobrir quem é , por favor. – pedi.
— O que eu ganho com isso?
— Lavo a louça por uma semana no seu lugar. – sugeri.
— Nada feito.
— Duas semanas, , agora anda.
— Não vou.
— O que você quiser , mas enrole lá por favor.
— Dois meses e não se fala mais nisso. – disse sorrindo.
— O que? É muito tempo.
— Ótimo, então vai lá atender a sua amiguinha. Não conte comigo.

Eu tinha certeza de que iria me arrepender desse acordo, pois já estava acontecendo antes mesmo de o acordo ser firmado. Mas eu precisava de tempo e só o conseguiria se me ajudasse.

— Feito!
— Ótimo! Foi bom fazer negócios com você. – riu ela. — Entre no banho agora, direi que a porta estava fechada quando vim te chamar. Aproveita e toma um banho mesmo.
— Pentelha!
— Mas você não vive sem mim. – disse mandando um beijo no ar.

Fiz exatamente o que sugeriu, entrei no banho e deixei que a água morna tirasse toda a energia ruim que sentia no momento. Lavei os cabelos e senti que estava na hora de cortá-los. Não demorei mais que três músicas para fazer tudo isso. Sai com a toalha enrolada na cintura.

! – gritou . — Já estava indo ver se tinha morrido debaixo do chuveiro. Você tem visita. – riu ela.
— Visita? Quem? – perguntei entrando na encenação.
— Vai lá e descubra!

Eu estava ferrado. Eu tinha certeza que estava ferrado, não queria ver ninguém. Isso eu sabia muito bem. Tentei saber mais detalhes sobre a minha visitante, mas parecia não querer estragar a surpresa.

— Como é a garota?
— Já falei, você vai ter que descobrir sozinho.
— Você já a viu andando comigo antes? – perguntei nervoso.
— Na escola? – acenei confirmando. — Não.
— Ok, diga que eu já vou sair.
— Não demora. Ela está com um pouco de pressa.
— Certo.

saiu e assim pude me trocar em paz. Correndo para dizer a verdade. Peguei uma camiseta nerd – eram cinco cascos do Squirtle Squad de barriga para cima e usando óculos de sol variados a camiseta imitava a pele dele e era como se ele estivesse camuflado – tinha ganhado de no aniversário do ano anterior e adorava aquela camiseta. E para completar uma bermuda preta e larga. Baguncei os cabelos ainda úmidos e calcei os chinelos.

Ouvi algumas risadas na sala. Consegui reconhecer a voz da minha avó e de Carol. Respirei fundo e entrei. Um silêncio constrangedor se instalou na sala assim que elas me viram.

— Olá mestre Pokémon! – riu .
— O que você está fazendo aqui? – perguntei.

Percebi o olhar rude de minha avó e uma expressão de horror em . Dei nos ombros. Eu não costumava fazer aquilo. encarava os próprios pés.

— Não ligue para o que ele fala minha querida. – disse minha avó tentando consertar as coisas para mim — Ele não recebe muitas visitas.
— Tudo bem dona . – riu sem graça. — , será que posso falar com você por um minuto?
— Vem , me ajude a terminar os biscoitos. – chamou minha avó.
— Mas você acabou de tirar do forno e... Está bem!

As duas saíram da sala me deixando sozinho com . Ela estava com a mesma roupa da hora do almoço.

— Você não deveria estar na escola? – perguntei me sentando e indicando o outro sofá para ela.
— Deveria, mas isso não vem ao caso agora.
— Certo.
— Quer dizer, eu estava na aula e então mandou algumas mensagens para e eles meio que discutiram por elas por minha causa. – disse cruzando as mãos no colo. — Ela me acusou de ser uma péssima pessoa e eu nem sabia o que estava acontecendo até que li as mensagens...
— E então você está aqui?
— Eu achei que tivesse que resolver as coisas. Liguei para o meu pai e pedi que me liberasse das aulas porque estava com muita dor de cabeça. Ele nem sonha que estou aqui.
— Isso não parece bom.
— As mensagens eram sobre uma ameaça que você e sofreram de um cara mais velho. Isso é verdade? – disse com a voz falhando um pouco. Medo, talvez?
— É verdade. Um cara grande me mandou ficar longe de você.
— Droga.
— Quem era ele ? E por que não me contou que namorava? – perguntei frustrado.
— Você conta todos os seus erros no primeiro encontro, ? – perguntou me encarando. Nunca tinha percebido que seus olhos pendiam para um tom de verde azulado.
— Então foi um primeiro encontro? – perguntei.
— Não muda de assunto. Você conta todos os seus segredos quando encontra uma pessoa pela primeira vez? Não, você não conta. E eu também não. – suspirou.
— Então me conta agora. Por favor.
— O nome dele é . Chegamos a namorar, mas não durou. Me dava uns perdidos no final de semana. Não me assumia para a família dele, mas não me deixava em paz. – confessou ela — Fazia tempo que não nos víamos, mas ele voltou a me procurar e acabamos ficando para matar as saudades em uma festa que fui com a . Mas isso foi antes de te conhecer. Quer dizer, quando saímos no final de semana eu não tinha mais nada com ele. É sério.

Meu coração estava mais leve e eu não sabia o motivo. Mas agora era como se eu pudesse respirar aliviado, como se o peso do mundo tivesse saído das minhas costas. Eu não era mais Atlas.

— Tem certeza ? Ele me pareceu bem ameaçador.
— É da boca pra fora , eu o conheço. Ele está percebendo que está me perdendo pra valer e não quer que isso aconteça. Acha que ameaçando meus amigos eu volte para ele. Mas isso não irá acontecer.
— Entendi.
, sei que você deve me odiar e que não vai querer me dar mais aulas. Eu entendo. Juro que não vou mais atrapalhar a sua vida, amigo. A minha confusão não tem nada a ver com você. – sorriu sem graça. Ela pegou a mochila e levantou-se. — Agradeça a sua avó e sua irmã pela recepção e peça desculpas pelo transtorno e desconforto que causei.
...
— Eu preciso ir , foi um prazer te conhecer. Sua família me pareceu muito amorosa e querida, se despeça das duas por mim, for favor. – pediu novamente.
, espera!

Eu não sabia o que dizer. Mas sentia que precisava dizer alguma coisa, ela não podia ir embora achando que a odiava. Ela parou e me encarou por um minuto. Caminhei até ela. Acabei puxando-a para um abraço apertado. Queria dizer nesse gesto que tudo ficaria bem e que as coisas estavam bem entre a gente. Afinal éramos apenas amigos.

— Obrigada por isso.
— Disponha. E por favor, não me esconda nada mais ok?
— Combinado. Agora preciso ir mesmo.
— Eu te acompanho até o ponto de ônibus, sua bobona.
— Não precisa não, mané!
— Faço questão.

Saímos conversando e continuamos conversando até que o ônibus dela passasse. Descobri que apesar dela estudar naquele fim de mundo e voltar de van, ela morava no bairro das Laranjeiras que não era tão distante do meu.

— Deu tempo de resolver meus exercícios? – perguntou.
— Ainda não, mas começo assim que voltar para casa.
— Não se apresse, meu professor não vai essa semana. Viagem de última hora ou algo assim.
— Mas quero conseguir tirar as suas dúvidas de qualquer jeito.
— Que professor dedicado! – riu ela. — Mas me conte, ... E você já teve uma namorada? – perguntou.
— Não.
— Ah, fala sério!
— É verdade. As meninas não me olham com muito interesse. Já fiquei com várias, por causa dos esquemas de antes dele conhecer a . Mas namoro de levar a menina em casa ainda não aconteceu.
— Comigo também não. Eles não sabiam do , a sempre me ajudava nos planos para poder sair com ele sem que meus pais desconfiassem. A regra lá de casa é namorados só depois do ensino médio. – sorriu.
— Eu não pensei muito nisso ainda, acho que não conheci alguém que eu quisesse apresentar para a família. Eles se apegam muito rápido.
— Certo. – disse fazendo sinal para o ônibus parar. — É a minha hora. Nos falamos depois. Obrigada por tudo, mesmo.
— Disponha sua bobona!
— Você que é muito mané, sabia?

Ela entrou no ônibus e assim que sentou-se na janela a abriu e ficou acenando lá de dentro.

— Tchau mané!
— Tchau bobona! Vai com cuidado, hein!
— Pode deixar. E você volte direitinho para casa.
— Me avisa a hora que chegar, ok?
— Ok!

O ônibus partiu assim que todas as pessoas do ponto haviam entrado. não era muito normal, saiu da escola só para me pedir desculpas. Mesmo sabendo que seu pai era rígido e que odiava mentiras. Ela havia mentido para poder sair da escola, só torcia para que ela não ficasse encrencada por causa disso.

Fui andando para casa lentamente, estava sem pressa. Minha vó estava na cozinha assando os biscoitos quando entrei.

— Uma pena ela não ter podido ficar para o lanche da tarde.
— É mesmo!
— E ela é sua namorada, filho? – perguntou me olhando com seus olhos doces.
— Não vó, ela é uma amiga.

Minha avó me encarou novamente, ela estava me lendo. Ou tentando decifrar se o que dizia sobre era verdade. Sorriu. E colocou uma travessa de biscoitos quentinhos na minha frente.

— Ela é mesmo uma amiga muito especial.
— Ela é, parece que a conheço a vida toda e nos conhecemos mesmo no sábado. Que estranho né?
— Estranho? Não vejo nada de estranho nisso.
— Ah vó, sei lá.
— Ela gosta muito de você, filho. Espero que vocês não se machuquem com essa amizade.
— Por que diz isso?
— É só um comentário. Não misture as coisas, está bem? Eu sei o quanto você se deixa enganar pelas pessoas, só não se machuque.
— Eu não farei nada estúpido vó, pode deixar.
— Espero que não.

Quando passei pelo quarto de ela me chamou. Era difícil entrar no quarto dela, porque era todo rosa e tinha pôsteres de várias bandas e atores também. Muita informação para mim.

— Gostei dela , é sua namorada? – perguntou.
— Não , não é.
— Que pena! Ela ia ser tipo a cunhada dos meus sonhos.
— Como assim?
— Não importa, acho que me daria bem com ela. Claro que a não poderia saber disso nunca.
— Que ? Do que você está falando? – perguntei confuso.
— A , aquela menina que anda com você e . Ela é apaixonada por você, irmãozinho. Vai me dizer que não sabia.
— Fiquei sabendo hoje!
— Não brinca! A escola inteira sabe! – gargalhou ela.
— Nunca a tinha visto com esses olhos ué. Ela nunca falou também, como é que ia saber?
— Amor, ela anda comigo no intervalo quando vocês estão jogando futebol ou andando de skate.
— Nunca tinha reparado.
— Vai dar uma chance pra ela?
— Não sei.
— Gosto dela, mas a é mais legal. Vocês deviam namorar.
— Não começa, pirralha!

Sai do quarto de e senti meu bolso vibrando. Era uma mensagem de texto de .

: “Mané já cheguei! Beijos”
: “Chegou bem?”
: “Tudo bem, agora vou pro banho e comer. A vem pra casa daqui a pouco me passar as matérias que perdi”
: “Não quero atrapalhar”.
: “Você não atrapalha”.

Peguei as listas de exercícios de física de Juliana e meu material, precisava revisar os exercícios antes de explicar para ela mais tarde. Estava nervoso pelo fato de ter que conversar com ela por vídeo, era tão diferente do que conversar pessoalmente ou por mensagem de texto. Mas tudo bem, eu ia conseguir. Passei mais de uma hora fazendo os exercícios. Meus pais haviam chegado do trabalho e fomos jantar fora para comemorar um novo contrato da minha mãe. Ela tinha uma pequena loja de roupas no bairro das Laranjeiras – o mesmo de Juliana – e estava conhecendo novos fornecedores. Tinha acabado de fechar mais um e por isso saímos para jantar. Quando voltei já passava das nove horas. Eu sentia sono, mas precisa ver se Juliana estava online. Resolvi mandar uma mensagem de texto para ela.

: “Mané, está online?”.
: “Quase dormindo, mas tento entrar rapidinho”.
: “Animada para estudar?”.
: “Mais?”
: “Entra logo nesse e-mail”.

Abri meu e-mail e as redes sociais para dar parabéns para os aniversariantes do dia. Tinha recebido algumas mensagens de perguntando como estava e dizendo que havia conversado com a . Resolvi falar com ele pessoalmente amanhã na escola. tinha mandando uma também, mas não estava querendo falar com ela no momento.

está se sentindo chateada: Sério isso, produção? 23/03
comentou: Só observo! Que ridículo isso!
comentou: Estou chocada com a cara de pau das pessoas.
marcou em uma imagem: Sinto sua falta.

Cliquei na foto. estava de costas para a foto e abraçava o tal de que dava um beijo em sua testa. Eles pareciam estar em algum show. Pois ambos usavam uma daquelas pulseiras coloridas.

comentou na imagem: ! Que foto velha! , olha os meus cabelos! Saudades.
comentou na imagem: Quem foi a fotógrafa? Eu, maravilhosa! Melhor show!

Fechei as redes sociais rapidamente. Não precisava ver todas as atualizações. Isso era demais para mim, mesmo ela dizendo que eles não estavam mais juntos, era estranho ficar vendo essas demonstrações de carinho. Resolvi mandar uma mensagem de boa noite antes de dormir.

: “Ju, tô cansadão! Podemos deixar para amanhã?”
: “Claro! Sem problemas!”
: “Boa noite bobona!”
: “Boa noite mané, durma bem. Beijos”.
: “Você também. Beijos”.

“Mas tem que ter final feliz, mesmo sendo escrita por linhas tortas” (Idas e Voltas – Jorge e Mateus).